Wednesday 24 January 2007

Lisboa - Dakar 2007 (Relato)

O projecto

No dia 6 de Janeiro de 2007, dia de reis, surgiu-me a ideia que eu próprio apelidei de completamente insana, de ir a Dakar capital do Senegal assistir à chegada do rally mais famoso do mundo. As condições necessárias a reunir eram lugares no avião, disponibilidade de hotel e a companhia de um ou mais aventureiros. Após alguma investigação enviei um mail aos meus amigos André Malhão e João Sales com a semente desta iniciativa. Após a reacção esperada de espanto inicial, o João Sales aceitou acompanhar-me na aventura e demos inicio aos preparativos.


Os preparativos

Contactado o consulado geral do Senegal descobrimos que não seria necessário visto para entrar no país, seguiu-se então o contacto com excelente consulta de medicina do viajante na UCS (TAP) para identificar as vacinas necessárias para aquele país da África Ocidental. Apenas foi necessária a vacina da febre-amarela (que é administrada na Av. Julho em Lisboa) e alguns repelentes para (tentar) evitar a malária.

As datas escolhidas foram ida a 19 Janeiro (6a feira) e regresso na madrugada de 21 de Janeiro (Domingo) de forma a evitar o êxodo do último dia da competição. Contudo, o lugares livres nos voos que escolhemos viriam a revelar-se uma dor de cabeça mais adiante.

Em termos de hotel após alguma pesquisa optámos pelo Novotel Dakar, do grupo Accor (Ibis, Sofitel, Novotel, etc) que garantia algum conforto apesar do preço médio-alto da diária.

Depois de tudo tratado começaram a escassear os lugares no TP209 (ida) e no TP210 (regresso). A missão esteve praticamente cancelada! No entanto, conseguimos a garantia de jump seat no regresso e decidimos arriscar. Deste modo o hotel foi reservado no próprio dia da ida e partimos à aventura.


A aventura

Aventura essa que começou logo com o atraso na partida do voo TP209 de Lisboa (cerca de 1h) em que tivemos como sempre os lugares atribuídos apenas na porta de embarque: 13D e 14D. O voo nocturno decorreu normalmente, bom jantar, vendas a bordo e à chegada a Dakar a surpresa: divergimos para a ilha no Sal, no arquipélago de Cabo Verde. Como não tinha sono, fui acompanhando o voo pelo mapa mostrado nos écrans a bordo do Airbus A321 e estranhei o facto de em frente a Dakar estarmos a mais de 30000 pés. Passados alguns minutos a voar para oeste, o Cmdte. anunciou que teríamos de divergir para o Sal devido à falta de lugares de estacionamento no aeroporto em Dakar. Após reabastecimento e espera de 45 minutos regressámos e aterramos em Dakar já passava das 5h30 da manhã. O aeroporto de Dakar é caótico, à saída tivemos sorte de encontrar um funcionário da cadeia Accor com uma tabuleta que tinha os logotipos dos diversos hotéis da cadeia, e descobrimos que tínhamos direito a um shuttle gratuito para o hotel que se situa na outra pontada cidade, num percurso de cerca de 45 minutos. Chegada ao hotel 6h45 da manhã, a noite estava perdida!


Em Dakar (ver Wikipedia)

O hotel era de facto bastante razoável, mas a noite curtíssima não permitiu tirar o devido partido da estada. O pequeno-almoço também não ajudou e após mais algum descanso partimos para o hotel Meridien, mais uma vez para as bandas do aeroporto, local onde toda a caravana do rally chegaria na tarde de sábado. Descobrimos apenas que o rally chegaria a esse hotel, no avião em conversa com uns Portugueses que envergavam a farda da Mitsubishi.

Chamado o táxi na recepção do hotel começou a nossa viagem por Dakar.Depois de regateado o preço (regateado é uma expressão, já que não demovemos o condutor de cobrar o preço que ele queria) entrámos num táxi em péssimo estado (ao nível do que já tinha visto no Cairo) que nos levou a outro táxi para a viagem até ao hotel Meridien. Pelo caminho tomámos contacto com a cidade, documentadas nas fotos.

Chegada do rally ao hotel "Le Meridien"

Dentro do complexo do hotel parecemos ser transportados para outra realidade. Tudo é limpo e arranjado quando a poucos metros dos portões a miséria impera.

Dá que pensar!

Para nós, o serviço foi 5 estrelas: guardaram-nos as malas gratuitamente, utilizamos os vários espaços públicos do hotel sem qualquer problema. Por volta das 13h começou a chegada da caravana entre carros de apoio e pilotos, num cortejo constante até ao final da tarde.

Depois da chegada dos pilotos ainda tivemos oportunidade de desfrutar do hotel e jantar calmamente num dos vários restaurantes. Inclusivamente e com uma dose de costela "tuga" conseguimos até o transporte gratuito para o aeroporto!

O regresso

A viagem de regresso adivinhava-se difícil e depressa se confirmou muito sofrida. Chegámos às 00h15 ao aeroporto e enfrentámos 3 filas gigantes: check-in, passaportes e segurança. Ao todo foram 2h15 sempre em fila, com cenas de pancadaria à mistura e tudo. Apenas um detector de metais a funcionar para 4-5 voos intercontinentais faz muitos estragos no funcionamento de um terminal de aeroporto. Um cenário caótico, num edifício que não deve ser limpo há mais de 10 anos!

Mas o pior estava para vir: o avião estava cheio, mesmo muito cheio com 200 passageiros (incluía claro as crianças de colo, já que o A321 não transporta mais de 194 passageiros). Depois de muito insistir com os funcionários do handling local, finalmente avistamos o chefe de escala da TAP, Senegalês, mas que falava um Português bastante aceitável. Depois de alguns telefonemas e contactos via rádio lá nos concedeu os tão esperados jump seats!

A bordo fomos recebidos por um chefe de escala muito simpático e pelo Cmdte. e um jovem F/O impecáveis. Tirámos par ou impar para escolher quem iria na cabine (afinal havia um lugar) e quem iria no cockpit. Como sou um rapaz com sorte saiu-me a mim o brinde de voar na melhor cadeira de passageiro que existe: o jump seat central.

Devido ao estado caótico do aeroporto o voo TP210 que deveria partir às 2h50 partiu depois das 4h30 da manhã. Descolagem na pista 36 e rumo norte, em direcção às Canárias, com bastante turbulência que obrigou a várias mudanças de nível de voo.

Aterragem na pista 03 da Portela já passava das 8h00 e fim de mais uma aventura em descoberta da nossa Terra!

2 comments:

Que fim-de-semana fantástico.;)
Estas viagens aventureiras mexem muito com as nossas emoções, fazem-nos ver outros mundos e outras realidades bem diferente das nossas. Não passam ilesas, fazem-nos amadurecer...

Conseguiste perceber o impacto do rally e as suas potentes máquinas ocidentais num país onde se tenta sobreviver?

Beijos

Olá Inês,

De facto o que dizes de experiencias enriquecedoras é mesmo verdade. É mesmo chocante a diferença do que se passa dentro e fora dos muros de um hotel ocidental, num pais africano. Como disse nas minhas palavras dá mesmo que pensar.

Como diz o grande Gilberto Gil na sua famosa musica "A Novidade":

"A novidade veio dar à praia, na qualidade rara de sereia
Metade o busto de uma deusa Maia, metade um grande rabo de baleia
A novidade era o máximo, do paradoxo estendido na areia
Alguns a desejar seus beijos de deusa
Alguns a desejar seu rabo prá ceia

Ó mundo tão desigual, tudo é tão desigual
De um lado este carnaval, de outro a fome total"

Beijinhos